O "Sentimento do Mundo" foi o terceiro livro de Carlos Drummond de Andrade. Seis anos separam esta edição de seu segundo livro (Brejo das Almas - 1934), fato provavelmente motivado pelas mudanças de vida ocorridas na vida do Poeta neste período: Mudança para o Rio de Janeiro e adaptação à engrenagem da vida burocrática, no cargo de Chefe de Gabinete do Ministro da Educação Gustavo Capanema. Em 1940 o autor lança o livro "Sentimento do Mundo", impresso nas oficinas gráficas dos "Irmãos Pongetti", e custeado com recursos pessoais. Da tiragem mínima de 150 exemplares, cada livro foi individualmente numerado, autografado e distribuído por C.D.A entre amigos e críticos literários.
A tiragem ainda mais reduzida do que a de seus antecessores, "Alguma Poesia" (500 exemplares) e "Brejo das Almas" (200 exemplares), transformou esta edição no "Santo Graal" dos colecionadores de Drummond.
Este exemplar que tenho a custódia é especialmente peculiar por tratar-se do número "2" de 150, e por ter sido dedicado para a bela e misteriosa bailarina Nilcéa Roma, figura ainda inédita para os biografos de Drummond. Vale ressaltar que o "Sentimento do Mundo" saiu do prelo em Setembro de 1940 e a dedicatória é exatamente do mesmo mês.
Nilcéa Roma fazia parte do grupo de dança de Madame Naruna Sutherland, pioneira dos espetáculos de "Dança de Estilo", cuja coreografia unia bailados com ginástica rítmica e cultura física. Outra componente do mesmo grupo foi Enid Sauer, que tornou-se dona de uma das escolas de dança mais tradicionais do Brasil. Nilcéa Roma apresentou-se diversas vezes no "teatro Municipal do Rio de Janeiro", como se comprova em cobertura fotográfica da revista "O Cruzeiro" (14/12/1935). Ela também representou o Brasil, junto com Enid Sauer, executando danças folclóricas em 1952 no "Festival das Nações Unidas" no "Albert Hall" de Londres.
Carlos Drummond de Andrade não perderá o contato com Nilcéa Roma, como se constata por dedicatória autografada ("Com o velho carinho do Carlos") no livro "Amar se aprende amando" (Editora Record - 1985), para a mesma Nilcéa Roma, 45 anos depois da dedicatória oferecida em 1940, no "Sentimento do Mundo". No exemplar dos anos 80, Nilcéa faz anotações, à lápis, demonstrando que aquelas palavras a tocavam profundamente.
Exemplar muito bem conservado, com lombada íntegra e cadernos firmes e bem afixados. Um raro sobrevivente, ainda coberto por sua capa brochura original.
Segue abaixo transcrição de texto de Fernando Py, um dos maiores estudiosos da obra de Drummond, parte de sua "EDIÇÕES DOS LIVROS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, extraído do site: www.revistas.usp.br (caso a repetição aqui, mesmo com crédito conferido, possa ferir a autoria... retirarei de bom grado).
SENTIMENTO DO MUNDO (por Fernando Py)
Carlos Drummond de Andrade / SENTIMENTO DO MUNDO / Ilustração de Santa Rosa. assinada SR / Pongetti (Rio 1940) 18,8 X 15,8 cm 128pp.
Justificaçnao de tiragem: "Edição de 150 exemplares" / em papel Antique / Terminada a impressão em 16 de Setembro de 1940 nas oficinas dos Irmãos Pongetti - Rio de Janeiro. A capa é de cor branco areia; o título do livro é impresso em vermelho, e o nome do autor e da editora vem em cor negra.
É a primeira e única edição independente. Custeada pelo autor, seus 150 exemplares foram distribuídos entre amigos e a crítica especializada, não sendo expostos à venda. Tais circunstâncias tornaram esta edição uma raridade cobiçada pelos "Drummondófilos", que chegam a sonhar em possuir um exemplar. O escritor Haroldo Maranhão relata como se tornou proprietário de um deles, presente de Marques Rebelo, e sua reação ao ganha-lo. (Cf. Haroldo Maranhão, "Sentimento do Mundo", em A estranha xícara, Rio, Editora Saga, 1968, p. 73 - "o poeta da nova geração" a que Maranhão se refere na frase de abertura de sua crônica, é o autor deste trabalho). Consultamos dois exemplares: O de Maranhão, supracitado, e o de Octávio de Faria, que traz o número 94, e que recebemos de presente no Natal de 1966.
Contém os seguintes poemas: Sentimento do mundo; Confidência de itabirano; Poema da necessidade; Canção da moça-fantasma de Belo Horizonte; Tristeza do império; O operário no mar; Menino chorando na noite; Morro da Babilônia; Congresso Internacional de Poesia; Os mortos de sobrecasaca; Privilégio do mar; Inocentes do Leblon; Canção de berço; Bolero de Ravel; La possession du monde; Ode no cincoentenário do poeta brasileiro; Os ombros suportam o mundo; Mãos dadas; Dentaduras duplas; Revelação do subúrbio; A noite dissolve os homens; Madrigal lúgubre; Lembrança do mundo antigo; Elegia 1938; Mundo grande; Noturno à janela do apartamento.
As principais alterações sofridas pelos textos dos poemas nas edições posteriores são: a) Confidência do itabirano: verso 12 - "esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;" - suprimido a partir de Poesia até agora (1948) e restaurado na segunda edição de Reunião (1971). Entretanto não, não figura nas edições da Companhia Aguilar nem no volume Nova Reunião (1983). No caso da Aguilar, devido, principalmente, à má supervisão editorial da obra (aliás não só quanto a Drummond); em Nova Reunião, por ser esta edição calcada no texto da edição de Poemas (1959), inclusive com o mesmo aspecto tipográfico - anterior, portanto, à de Reunião; b) Canção da moça-fantasma de Belo Horizonte: os dois versos finais ("ninguém o compreenderá.../ ninguém compreende a estrela.") passaram a: "estrelas não se compreendem, / ninguém o compreenderá". - a partir de Fazendeiro do ar & Poesia até agora (1955); c) Congresso Internacional da Poesia: passou a chamar-se Congresso Internacional do Medo a partir de Fazendeiro do ar & Poesia até agora (1955); d) Dentaduras Duplas, verso 66: "e porque não metálicas" - suprimido a partir de Poesias. e) Brinde no juízo final e Indecisão no Méier: acrescentados à coletânea a partir de Poesias. Convém assinalar que as dedicatórias de Dentaduras Duplas (a Onestaldo de Pennafort) e A noite dissolve os homens (a Portinari) também só figuram desde Poesias.